quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Proposta temática para 2012

PROJETO FILOSOFANDOAGORA 2012
A Vida e seu eterno fluir. Um retorno à filosofia de Heráclito

O Projeto filosofandoagora, para o ano de 2012, pretende resgatar um antigo tema da filosofia de Heráclito: o movimento. Filósofo pré-socrático nasceu na cidade de Éfeso (c. 540/535 – 475/470 a.C). A ideia principal do pensamento de Heráclito é a do movimento, do eterno fluir, da mudança, do devir. A filosofia heraclítiana parte do princípio de que é da natureza do ser, o fluir, o movimento – e que nada pode permanecer estático.  É o pensador do “Panta rei os patamós”, ou seja, tudo flui como um rio, e do fogo, que seria o elemento do qual deriva tudo o que nos circunda.  

Nosso intuito em retomar esse aspecto da filosofia de Heráclito se justifica pela necessidade do nosso tempo, do nosso agora. Por isso, filosofamos-agora. O mundo, as pessoas, as instituições estão em movimento, a mudança acontece a todo instante e em todos os setores. No entanto, estamos vivenciando um processo de mudança contrária às leis da natureza.

A tecnologia, o progresso e todo o desenvolvimento da ciência trouxe mais vida para nossas vidas. Porém, uma vida podre no sentido de valores humanos.  O progresso e a tecnologia atingiram o seu apogeu, dificilmente encontramos uma residência onde não há aparelhos de televisão, computador conectado à internet e cada membro da família com o seu celular.

Diante de tantas facilidades e comodidades parece que tudo caminha bem. O fato é que junto ao progresso e tecnologia de ponta é preciso contabilizar o lixo produzido, a contaminação de mares e rios, poluição, aquecimento global, obesidade, depressão, ansiedade, hiperatividade, câncer, alcoolismo, uso de drogas, suicídio, analfabetismo, violência, miséria, enfim...  Façamos a contabilidade para verificar se há vida em nossas vidas. Neste caso, é preciso calcular urgentemente.

São por essas e outras razões que propomos repensar os nossos valores, rever o modo de pensar e, essencialmente, a maneira de ver o mundo, o modo como olhamos e percebemos a realidade, a própria vida, através da filosofia heraclitiana e outras teorias que seguem por esse viés.

José Saramago diria que nosso olhar está ofuscado, nossa visão embaçada e nossa percepção altamente comprometida pela ideia de ter, consumir, curtir, ficar, descartar, teclar, enfim... Isso tudo, por sua vez, traz consigo consequências, talvez, irreversíveis para a vida de um modo geral e global.

Não é aceitável para vida do planeta que homens e mulheres, crianças, jovens e idosos continuem a viver sem pensar nas gerações futuras. Cada ato, cada ação, cada decisão tomada hoje, deve ser pensada visualizando, assim como faziam os índios americanos, a sétima geração. Faz todo sentido pensar se os netos dos seus tataranetos terão pelo menos água potável para beber.

Por onde começar? “Comece pelo começo e siga até o fim: daí, pare(Disse o Rei com muita gravidade à pergunta do Coelho Branco). Ora, um passo de cada vez. Primeiro questionando e observando nossa maneira de ver o mundo. O segundo passo é agindo. Se preferir faça como Alice que estava entediada com sua vidinha e caia na toca do coelho e vá em busca do país das maravilhas.  Enfim, é preciso alguns momentos de literatura ou poesia para que possamos continuar existindo...

Hoje nós vivenciamos uma crise global. O físico austríaco Fritjof Capra descreve essa conjuntura de “Crise de percepção”. Ele menciona em sua obra “O Ponto de Mutação” que todos os problemas que vivenciamos hoje, são fragmentos de uma única crise, a qual denomina de crise de percepção. Mas crise é um termo que em chinês é o composto das palavras: “perigo” e “oportunidade”. 

O perigo é iminente, pois já estamos vivenciando as mais diversas formas de manifestações de catástrofes.  E não é que a natureza seja selvagem, violenta. Ela simplesmente responde da forma como é tratada. O clima não está louco, a humanidade é que está insana. Por fim, embora o perigo mostre a sua face, isso não significa que devemos desistir de sermos humanitários e permanecer numa vida imoral, regressa, pobre em valores, sonhos e ideais.

Os fatos estão aí, mas a cegueira branca de Saramago não nos deixa enxergar. Ações sustentáveis como: reciclagem, compostagem, evitar desperdício, separar lixo do que é material reciclável, dentre outras, isso tudo exige tempo. E o velho pensamento de muitos é que não há tempo para isso. Não há tempo para mudança, já que permanecer com os mesmos clichês é mais prático.

Vale lembrar que a permanência, a duração das coisas, ilusoriamente nos dá a sensação de normalidade e lugar-comum, no entanto, essa é uma ação contraditória à lógica da vida. Nada permanece o mesmo, tudo flui, tudo está em constante mudança, num eterno movimento. A vida é um interminável ciclo de começos, meios e fins. Faz-se urgente percebermos, no aspecto de sentir, com os sentidos e em especial com o coração a grandiosidade e beleza dessa filosofia. Pois a dialética da vida é o movimento. E se há movimento, há mudança, há vida sempre.

É por isso que a palavra perigo traz consigo uma ponta de esperança, de renovação, do eterno começar de novo. No perigo está imbuído o germe da oportunidade.  E oportunidade é justamente o momento em que a mudança requer ação, força e coragem. É o momento de dar continuidade à beleza do eterno fluir. É deixar que tudo aquilo que já se esgotou, pereceu, expirou, que já mostrou a sua cara, sua beleza, sua vez, possa ir em paz no rio que abraça o seu curso, para dar lugar e oportunidade ao novo, ao diferente, ao desconhecido, ao além-mundo.

Mudança é a palavra silenciosa que grita no meio da multidão, não somente porque essa é a característica essencial da vida. Mas justamente porque é imprescindível sairmos desse mundo de permanência, do mesmo que não é o mesmo, da inércia que assola, da euforia que logra, da ilusão que aliena e do engano de que as coisas permanecem, duram e se fixam.

Aparentemente tudo parece estar bem. Mas a vida na Terra e em cada coração clama por nossas ações. Ações sustentáveis: de paz e amor. Não há como escapar da nossa parcela de responsabilidade para consigo mesmo e com o planeta. Somos todos Um. Vivemos, quer você goste ou não, uma relação de interdependência. A nossa dependência é um fato, uma vez que ...


...“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
 
John Donne

Em breve convite para o próximo encontro

Um forte abraço,

Silvia S Sant'Ana
Realização
Coordenação Projeto filosofandoagora