Aconteceu
no dia 23/10/2012 a 7ª Edição do Projeto filosofandoagora
com Gercina Santana Novais, Psicóloga e Doutora em Educação. Nessa edição, o
tema proposto foi uma conversa sobre o Documentário Janela da Alma. O assunto em
questão tem a sua pertinência dentro da temática que o Projeto escolheu para pensar
neste ano, resgatando os princípios da filosofia de Heráclito: o movimento, o
fluir, o devir e as constantes mutações. Nesse sentido, o assunto proposto
representa o ponto de partida para a mudança em qualquer situação,
circunstância e conjuntura. Segue abaixo uma visão abreviada, porém refletida do documentário “Janela da
Alma” a partir das provocações e questionamentos da palestrante e do próprio filme.
Janela da Alma é um documentário de João Jardim e
Walter Carvalho. Um filme que trata sobre o olhar, sobre o ato de ver, a visão
e sobre o modo de perceber o mundo daquelas pessoas que possuem algum tipo de
carência visual. Janela da Alma, no
entanto, não se limita a apresentar o aspecto limitante do ato de enxergar. O
ato de ver, enxergar, seguido da compreensão do mundo depende não só da visão,
mas também do modo como “percebemos” o mundo, com ou sem a visão. Hermeto
Pascal no seu depoimento diz não conseguir fixar os olhos e um único ponto,
pois suas pupilas se mexem continuamente em diferentes direções. Sobre esse
fato o músico descreve que sua vista é rica, porque enxerga mais. Simplesmente
um modo diferente de enxergar as situações na qual nos encontramos. Talvez um
modo diferente de perceber o lado positivo em condições limitativas. Nessa
perspectiva podemos pensar na seguinte pergunta: “O que tenho visto?”
O
Escritor José Saramago, faz a sua contribuição ao documentário Janela da Alma esclarecendo que a visão
limitada do homem o faz ser como é. Saramago metaforicamente imagina e descreve
que se Romeu tivesse os olhos de falcão, provavelmente não se interessaria por
Julieta, pois enxergaria muito mais defeitos na sua amada do que o olho humano
é capaz de fazê-lo. Esse fato também nos lembra do velho ditado popular o qual
diz que o amor é cego.
Na
verdade, o documentário de Jardim e Carvalho coloca o tema “visão” como
pretexto para falar sobre as diferentes visões de mundo, sobre as diversas
formas de compreender e ver a realidade, uma vez que a própria visão não
consegue abarcar, ou seja, ver, todos os lados de um objeto, todos os aspectos
da coisa e do próprio ser.
Saramago nos esclarece como nasceu “Ensaio
sobre a Cegueira” ao se perguntar como seria o mundo se todos fôssemos
cegos. Segundo sua reflexão a resposta é que já somos cegos, em virtude do caos
e da desordem que arruína o mundo. “Ensaio
sobre a Cegueira” é uma metáfora da condição humana, que representa
exatamente a “crise de percepção” a qual estamos todos enfrentando.
Em
Janela da Alma, aparece também o filósofo
esloveno Evgen Bavcar. Bavcar se tornou cego após dois acidentes de guerra e é
fotógrafo. Mas, pode um cego fotografar? Qual o valor artístico de um fotógrafo
que não vê o que enquadra? O documentário, por sua vez, apresenta o fotógrafo
em ação, fazendo fotografias e medindo com as mãos o foco, usando o tato para
medir o espaço entre a câmera e o objeto a ser fotografado. Bavcar mostra as
fotos que fez de sua sobrinha no campo. Enquanto ela corria com um sininho. Na
verdade, ele seguia seus movimentos através do som. Ele explica que fotografou o
barulho desse sino, que não aparece nas fotos. Nessa perspectiva, Bavcar fotografa
aquilo que é invisível aos olhos.
Hermeto
Pascoal revela que quando tinha 30 anos, chegou a querer ser cego
temporariamente, para que assim pudesse melhor desenvolver sua percepção
musical. Assim ele explica que a verdadeira visão não se dá fisicamente, com os
olhos. Ao contrário, a visão verdadeira seria a visão interior, que é também está
relacionada com a imaginação. A qual é caracterizada como alimentador da
criação artística.
E assim segue Janela da Alma, um documentário organizado a partir de uma estrutura fragmentada, que deu vazão a interpretações metafóricas/imagéticas feitas pelo próprio documentário, não se limitando às discussões apresentadas pelos entrevistados, em sua maioria intelectuais, sendo: Hermeto Pascoal, José Saramago, Paulo Cezar Lopes, Antônio Cícero, Wim Wenders, Eugen Bavcar, Marieta Severo, Carmela Gross, Jessica Silveira, João Ubaldo Ribeiro, Walter Lima Júnior, Oliver Sacks, Manoel de Barros, Arnaldo Godoy, Madalena Godoy, Marjut Rimminen, Agnès Varda, Hanna Schygulla e Raimunda da Conceição Filha.
A
mensagem que Janela da Alma nos passa, ou que nos faz refletir, é a de que ver
não é o mesmo que enxergar. Há uma distância muito grande entre a atitude de
ver e o ato de enxergar. Ver é algo mais aparente, pouco profundo, veem-se as
cores, as pessoas, as coisas, mas não se enxerga a profundidade dessas coisas,
pessoas e cores, ou seja, o significado intrínseco em cada ser. O filme nos
ensina exatamente isso, que para se ter uma visão apurada, para que possamos enxergar
o que realmente “o ser” quer nos
revelar, não é necessário ter olhos, mas é preciso ter intuição, coração,
sentimentos e um senso de autoconfiança para enxergarmos aquilo que nossos
olhos fingem não ver.